5 de out. de 2010

COMO ELIMINAR UM AMANTE


O leitor aflito me escreve. Quer ajuda, conselhos, alguma filosofia de consolação, ombro, ouvidos... Qualquer adjutório serve. Uma alma penada. Ainda mais no apagar das luzes do ano velho, quando a vida veste os seus bicos e babados mais bregas e sentimentalóides.


Havia aposentado a Miss Corações Solitários que acode as vítimas dos infortúnios e tsunamis do amor. Diante do apelo do amigo, não há como deixá-lo a mascar o jiló do abandono neste “já vai tarde” de 2006.


Está desconsolado, como o Sizenando de Rubem Braga, que viu a amada cair nos braços de um playboy. Um idiota que não sabia sequer uma palavra de esperanto.


A vida é triste, Sizenando, como soprou-lhe o cronista.


Com Amaro, chamemos assim o nosso ensaio de Bentinho, não foi diferente.


Quis o destino parafusar-lhe objetos pontiagudos à testa.


Sim, ela tem um amante. Daqueles amantes que se encontram à tarde, num intervalo qualquer, no recreio da vida chata.


Nem foi preciso contratar o detive particular, conta-me o nosso Amaro. Ele mesmo fez as vezes de cão farejador de sua própria desgraça.


Que fazer?, indaga, num email no qual até a arroba bóia em poças de lágrimas.

Mato o desgraçado?


Tiro a vida da desalmada?

Vou-me embora pra Tegucigalpa?

Salto mortal da ponte Buarque de Macedo?


Um trágico, esse rapaz. Como os de antigamente. Amaro é do tempo em que os homens coravam. Ainda tenho vergonha na cara, envaidece-se o próprio.


Sossega, Amaro.


O melhor que fazes, respondi ao marido em fúria, é sumir por uns dias, inventar uma viagem, e dar todo tempo do mundo ao infeliz desse amante.


Banalizar o amante, meu caro e bom Amaro.


Entendeste?


Deixar que eles durmam e acordem juntos. Que tenham seus problemas, que percam o luxo dos encontros fortuitos e vespertinos.


É necessário deixar a Bovary sentir o bafo matinal da rotina.


A vida dos amantes dura porque eles só vivem as surpresas e valorizam cada minuto do relógio que põem sobre a cabeceira daquele motel barato.


Nada mais cruel para o amante da tua mulher que presenteá-lo com o pão-com-manteiga do dia-a-dia. A rotina é o cavalo de tróia do amor.


Amaro, nada de violência ou besteiras desse naipe.

Ao amante, todas as chances do mundo. Ao amante aquela D.R., a famosa discussão de relação, em plena TPM.


Um amante nunca sabe o que venha ser uma mulher sob o domínio da TPM. Ela faz questão de reservar todos os direitos desse ciclo ao pobre marido.


Ao amante, Amaro, a tapioca fria e sem recheio da rotina do calendário.


Ao amante, Amaro, a falta de assunto.


Ao amante, os cabelos revoltos da mulher, naqueles dias em que nem mesmo ela se agüenta ou encara o espelho. Naqueles dias em que os cabelos brigam com as leis do cosmo e não há pente ou diabo que dê jeito.


Some, Amaro, depois me conta.

2 comentários:

Milla disse...

A rotina é o cavalo de tróia do amor [valei-me meu padim xico sá]

Anônimo disse...

sábio conselho...