2 de set. de 2010

MANIFESTO PELA MULHER COMFORT



Minha amiga D., fornecedora de grandes motes para este cronista muitas vezes perdido e sem assunto, debate comigo: “Cadê a carne do carnaval dos últimos desfiles, a carne qu e deu origem ao batismo da festa religiosa, agora só vejo músculos, como se todas as mulheres da avenida tivessem virado travestis”, ela protesta.


Lembra as carnes balançando diante das câmeras, o grande e lindo açougue humano?”, a mesma moça decente cutuca os sovacos da polêmica. Eu dou corda, a discussão é mais que procedente, não acham?


E não vale apenas para as passarelas e avenidas. Vale para tudo nesse mundo. Repare bem, não estamos tratando de gordas e magras, de uns quilinhos a menos e de uns quilinhos a mais. O nó é mais embaixo.


O que pega, amigo, é a falta de maciez mesmo, o confortável amaciante das carnes das moças, air-bags que nos protegiam contra a dureza e grosseria do mundo, aquela coisa reconfortante, colo para além do simplesmente materno, aconchego, “venha para cá meu nego”, o homem é a terra, é a luta, a batalha, mas também o repouso do guerreiro.


Esses corpos da avenida não são mais os corpos originais de mulheres para os quais fomos sentimentalmente educados.


Claro, acostumamos, mulheres são mulheres e padrões publicitários são padrões publicitários.


Mas, amigo, é muito músculo à força, exército de Esparta, elas estão mais fortes do que todos os zagueiros que enfrentamos nas nossas peladas amadoras.


Sim, entendo, não pode relaxar muito, questão até de saúde, tem que correr, Lola, fazer algum esporte, mas, peraí, sem exagero, moça.


Até pode ser uma boa onda transar com uma musculosa dessas, tipo capa de revista, afinal de contas estamos drogados por estas imagens que poluem o branco dos nossos olhos a cada segundo, mas, amigo, é desconfortável demais da conta dormir com uma criatura de tal natureza. Amanhecemos todo quebrado, todo dolorido, é como se dormíssemos com o Mike Tyson.


Com o microfone, nessa tribuna livre sobre o tema, ele, Roberto, o rei: “Gosto de me encostar/ Nesse seu decote quando te abraço/ De ter onde pegar/ Nessa maciez enquanto te amasso.’’


É aquela canção sobre as cheinhas, bela elegia. O rei é meio marqueteiro sentimental, mas o cara sabe das coisas, com a ajuda da pena e dos acordes do Erasmo, claro.


Ora, uma perna pode ser bonita sem ser obrigatoriamente tão musculosa, tão perna de traveco ou de homem. Assim valendo também, lição primária de anatomia, para braços, barrigas, rádios, perônios.


Mais carne e menos músculo, sr. açougueiro do balcão da humanidade, e um contrapeso de coração, se é que você me entende, se é que não é pedir muito em pleno carnaval de Pernambuco, o melhor carnaval de todas as galáxias de todos os tempos.