22 de set. de 2010

COMO SE ESCREVESSE UMA CARTA DE AMOR NUM EDIFÍCIO EM CHAMAS



Primeiro exercício:



...como na lição do velho Jota Cheever, amigo platônico incrível, mas sem exercícios de estilo [ou perobices de gênio], ora, carai, aqui vale a cremação e os degraus do desespero, aqui vale a escada inútil, aqui vale o fogo nas vestais, nas vagabas e na mulher-abismo, como se escrevesse com sangue e gasolina o próprio incêndio, e ainda sobrasse fogo para o isqueiro do idílio, o último cigarro, o último gole, o último suspiro de Caryl Chessman, como se escrevesse uma carta de amor expressionista, depois daquela festa, uma missiva certeira, como um tiro de marido traído, uma escrita-réptil, sem deixar rabos, uma carta ridícula, brega, como todas as outras, selada ao cuspe da derradeira punheta, a carta ali, no lambuzo da munheca, longe do alcance da maldita, na febre do rato, na peste bubônica, na urgência de quem extrai uma bala, alojada no osso de um crânio cuidado frágil.




Segunda tentativa:

Agora escrevo com o próprio sangue dela, o dedo indicador no tinteiro da buceta,

molho o dedo tantas vezes possa, opulência, menstruança, rio vermelho sob lua cheia...

o mesmo dedo que agora é lapiseira [a parede branca assimila a prosa] pequenos veios escorrem lá nas pernas,

e do cuzinho também jorra,

o mar dos nossos problemas,

o gozo desce no taco, lambo tudo junto com as formigas diabéticas.





Terceiro tiro:

Como se escrevesse uma carta de amor, num jato em chamas e piruetas, rabiscando o próprio incêndio, entre ninfas analfabetas, uma carta bem sucinta, assonante, corizada, como quem chora todas as perdas. Uma rasura em árabe, pelamor mais terrorista, na borra de café eu vi, vou me fuder, vou me fuder, não há mais tempo, vou me fuder, antes de enviar essa missiva.


arremata aí, Ian Curtis...






2 comentários:

Di disse...

Você é fantástico, não há como não ficar embriagada com tanta devassidão, adoro cada linha que escreve, cada pequeno detalhe que deixas escorrer por entre os dedos. Curiosamente encontro uma imagem que a pouco usei também.
Grande beijo de uma enorme fã!

S. disse...

e quem n se (nos) fode, mon amour?
beijinhos