Nem precisamos ir ao mar para ver o nosso amor morrer na praia naquele derradeiro feriadão do ano. Nosso amor morreu na Doutor Arnaldo, depois da sala de velórios, na frente das bancas de flores, rosas vermelhas que sustentam amores falidos, girassóis, gerânios, belos arranjos que fazem milagres e livram os maridos culpados no engarrafamento.Nosso amor morreu na correria para fugir de Sampaulândia, babilônicos corações de fumaça a 10 quilômetros por hora, como os tílburis que conduziam os Bentinhos e Capitus no século 19 do outro lado da Via Dutra.
Nosso amor tinha pressa, largou o automóvel e saiu caminhando, melancólico, entre motoboys e miragens, crepúsculo cubatanesco a escorrer do nariz, nosso amor era um boi na frente dos carros, nosso amor era um atropelo e a gente mal tinha tempo para fazer-lhe um dengo, um cafuné, uma cócega, um bilu-bilu, nosso amor era um tamagotchi, um bichinho virtual criado e nascido como uma planta em São Paulo.
Minutos antes, nosso amor foi visto saindo do Paraíso e saltando na Consolação, a linha do último metrô de todos os amores expressos. Aí nosso amor, puto da vida, bebeu, cheirou cola, acendeu o cachimbo na Cracolândia, perdeu os óculos, as lentes de contato, fez besteira na Rua Augusta e, quando alcançou o Vale do Anhangabaú, já nadava na correnteza em cima de um sofá velho cujo estofado denunciava lágrimas e esperas.
Nosso amor não conseguiu dormir direito nesse dia, zumbizou geral o malaco, perdeu-se como Esperanza, a linda boliviana de Cochabamba, Penélope que tece o interminável manto e nada espera nas fabriquetas de costura do Bom Retiro.
Nosso amor ouviu algumas duras lições de Esperanza, essa sim sabia o que era a vida, e chorou ao lusco-fusco em um banco do Parque da Luz. Aí foi visto pela última vez neste “pueblo”.
O amor é como a Avenida Paulista: começa no Paraíso e termina na Consolação, como li na carroça de um catador de papel
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Nosso amor só pode estar tirando onda da nossa cara, é o tipo de amor que sabe rir da nossa desgraça, um amor de rapariga da última luz vermelha do fi m do mundo, um amor que não respeita as leis do cosmo, nosso amor é uma ficção barata, café puro, pão na chapa, nosso amor nem esfriou ainda o cadáver, acabou no auge, como a carreira de Pelé, como os Beatles, nosso amor era sábio. E como os amores reencarnam, muito cuidado, senhoras e senhores, nosso amor pode estar rondando aí a sua área e se multiplicando como pombos, ratos e gremlins. Prendam-no o criminoso, onde está a polícia que não vê uma coisa dessas, tio Nelson? Nosso amor, para ser mais exato, acabou hoje, em plena Sexta-Feira da Paixão: sentimento que costuma alimentar os inícios, jamais os fi nais. Vai entender esse troço, nossos dialéticos corazones batiam o bumbo das contradições. O fato, amigo, é que nosso amor era mais bacana e menos apressado do que nós dois juntos!
4 comentários:
que maravilha, chico! merecedor de uma cadeira na academia.
simplesmente tudo o que quis dizer e nunca consegui!
Realmente lindo, como tudo que escreves e descreves. Eu simplesmente adoro.
O meu amor acabou na sexta da paixão, aiai que coisa mais dolorida ler esta crônica.Mas por muito tempo ele como dizes andou e perambulou pelas esquinas e cidades afins tentando retomar o que havíamos perdido, mas será?
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